Responsabilidade criminal em erro médico - Galvão & Silva Advocacia

Responsabilidade criminal em erro médico

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12/05/2020

12 min de leitura

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O médico, como qualquer cidadão, contrai uma responsabilidade criminal quando causa um dano ao seu paciente em virtude de erro médico, a não ser que prove inexistência de sua culpabilidade. Não há dúvidas de que o médico, no exercício da medicina, não quer o resultado morte do paciente, caso contrário, o crime será de homicídio doloso (Código Penal, inciso I, art. 18).

Apesar de o médico se dedicar à preservação da saúde do paciente ou à sua recuperação, por motivos alheios à sua vontade, pode ocorrer a morte deste. Se esta morte for causada por imprudência, negligência ou imperícia, a este profissional será imputado o delito de homicídio culposo (CP, art. 18, II). Veja-se o que diz essa norma penal:

II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Art. 18

De um único ato médico lesivo ao paciente, o médico pode ser responsabilizado em três esferas:

A título de informação, a doutrina classifica a responsabilidade criminal e civil como responsabilidade legal, atribuindo aos tribunais (Estado-Juiz) a competência para solucionar as questões jurídicas. De outro modo, a responsabilidade ética-profissional como moral, de competência dos Conselhos de Medicina.

“O erro médico pode ser arguido sob duas formas de responsabilidade: a legal e a moral. A responsabilidade legal é atribuída pelos tribunais, podendo comportar, entre outras, as ações penais e civis. A responsabilidade moral é da competência dos Conselhos de Medicina, através de processos ético-disciplinares, segundo estipulam o artigo 21 e seu paragrafo único da Lei n.º 3.263, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto n.º 44.045, de 19 de julho de 1958.”

A análise do erro médico com projeção na responsabilidade civil e ética-profissional do médico será objeto de estudo específico, motivo pelo qual se utilizará estas linhas para breves apontamentos apenas sobre erro médico e responsabilidade criminal.

Desse modo, são exemplos de crimes de responsabilidade médica criminal:

  • Omissão de notificação: quando o médico, no exercício da profissão, deparar com paciente portador de quaisquer das doenças listadas como notificação compulsória, como, por exemplo, Coronavírus (COVID-19), tem o dever de notificar às Autoridades Sanitárias (Ministério da Saúde e Vigilância Sanitária), sob pena de incorrer no crime previsto no art. 269, CP;

Ante o calamitoso cenário pandêmico decorrente da contaminação em massa da população pelo coronavírus, vale a transcrição deste artigo, como forma de melhor compreender o conteúdo do tipo penal: Art. 269 – Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

  • Atestado falso: Dar o médico, no exercício da sua profissão, atestado falso configura crime previsto no art. 302, CP. É também crime típico que se refere ao médico, no exercício da profissão. É crime que não comporta a modalidade culposa, porque sempre é praticado com consciência e intenção (dolo). Exemplo: dar declaração ou Atestado de Óbito ideologicamente falso, com a finalidade de alterar a verdade no Registro Público.
  • Dever de comunicação de crime: pela redação do inciso II, do art. 66, Lei de Contravenções Penais (DECRETO-LEI Nº 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941), o médico (ou quem exercer função sanitária) tem o dever legal de levar ao conhecimento das autoridades públicas a existência de crime que ficou sabendo no exercício da profissão. Exemplo: cometerá contravenção se o médico deixar de comunicar o fato quando, ao atender seu paciente/vítima, ficar sabendo da ocorrência de crime.
  • Omissão de socorro: deixar o médico de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública comete crime previsto no art. 135, CP;
  • Exercício ilegal da medicina: Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites;
  • Compra ou venda de órgãos para transplante: o médico que comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano incorre na pena de reclusão, de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa;
  • Homicídio culposo: Matar alguém de forma culposa (CP, art. 121 conjugado como art. 18, II). Ou seja, é a morte de um paciente por imprudência, negligencia ou imperícia causada por médico ou auxiliar no exercício da Medicina; e

Nesse sentido é a decisão do TACrimSP, rel. Juiz Joaquim Francisco, JTACrim-Lex XIII/203:

“Comete homicídio culposo médico que, agindo com negligencia, deixa de examinar convenientemente criança em estado de saúde precaríssimo, que, deixando o hospital em condições anormais, tecnicamente desaconselháveis e sem medicação prescrita, vem a falecer.”

TACrSP, Rel. Juiz Joaquim Francisco, JTACrim – Lex XIII/203
  • Lesão corporal culposa: o médico que, no exercício da profissão, ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem sujeita-se a pena detenção, de três meses a um ano do art. 129 combinado com o art. 18, II, ambos do CP.

Porém, antes de analisar a responsabilidade criminal do profissional da saúde resultante do erro médico propriamente dita necessário conceituá-lo, em que pese não estar claro na doutrina o que seja “erro médico”, de modo a facilitar a compreensão do reflexo do erro médico na responsabilidade criminal do profissional médico.

Dessa forma, o erro médico é uma forma de conduta profissional inadequada que supõe uma inobservância técnica, violação da lei penal, capaz de produzir um dano à vida ou à saúde do paciente. É o dano que sofrido pelo paciente possa ser caracterizado como imperícia, negligência ou imprudência do médico, no exercício de suas atividades profissionais.

É dever de o médico agir com diligência e zelo no exercício da sua profissão, esclarecer o seu paciente sobre sua doença, tratamentos e riscos possíveis, cuidados com o seu tratamento e aconselhar a ele e a seus familiares sobre as precauções essenciais requeridas pelo seu estado de saúde. O descumprimento de quaisquer desses deveres jurídicos originários, mediante conduta criminosa, é denominado, igualmente, de erro médico.

Logo, responsabilidade criminal é atribuir ao médico, após processo criminal judicial regular, uma punição criminal, se a conduta médica, em exame, preencher alguma figura tipificada como crime ou contravenção penal. Essa reprimenda através de uma pena impõe-se após a prova inequívoca do crime, decorrente do contexto de erro médico, praticado mediante a violação de um dever jurídico de não causar danos a terceiros.

Portanto, tem-se que toda pessoa tem o dever jurídico originário de não violar a lei penal e nem causar dano, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo ou responsabilidade criminal, que é a sujeição do infrator a uma punição jurídica criminal.

Extrai-se do conceito de erro médico a culpa, no sentido amplo (culpa strictu sensu e o dolo), sem a qual a responsabilidade criminal não existe. Dessa forma, o Ministério Público, diante de crime de ação penal incondicionada, deverá provar os requisitos caraterizadores do crime, a seguir informados. Posto que, na esfera criminal nem toda culpa acarreta a condenação do médico, pois se exige que tenha certo grau ou intensidade na pratica do erro médico.

Como exemplo, de erro médico com responsabilização na esfera civil e criminal, temos o seguinte: Cirurgia plástica estética ou embelezadora de implante de silicone, abdominoplastia e lipoaspiração que causou ofensa à integridade corporal ou a saúde (cicatrizes inestéticas, deformidade ou deformação das mamas inadequadas com o procedimento), além do abalo moral e aos componentes da personalidade da paciente.

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Tendo por base à casuística e processo penal regular, baseado em laudo de exame pericial especializado, entre outras provas lícitas, colhidas com respeito às garantias processuais legais e constitucionais, o profissional médico praticou o crime de Lesão corporal ao teor do art. 129 na modalidade culposa conforme art. 18, II, ambos do Código Penal, surgindo daí a responsabilidade criminal pela prática daquele erro médico.

Sob o conceito formal ou analítico do crime de Lesão Corporal Culposa (CP, 129 com art. 18, II), verifica-se a responsabilidade criminal pela prática do erro médico somente se preenchidos os requisitos caraterizadores do citado delito:

  • fato típico: conduta (dolo/culpa), resultado (natural/jurídico), nexo de causalidade e tipicidade;
  • antijuridicidade/ilicitude: legitima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal, exercício regular de direito;
  • culpabilidade: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude, exigência de conduta diversa.

Válida estas observações, enquanto na responsabilidade civil basta o ato ilícito perpetrado mediante uma das vertentes de culpa, a relação de causa e efeito e o prejuízo, na responsabilidade criminal é indissociável a presença dos demais elementos configuradores do crime, conforme acima indicados.

Essa conclusão se deve ao fato de que a culpa civil e a culpa penal são iguais, pois têm os mesmo elementos. A diferença é apenas de grau ou de critério de aplicação da lei, pois o juiz criminal é mais exigente, não vislumbrando infração em caso de culpa levíssima.

Em face do princípio da Intervenção Mínima do Direito Penal, se o ato ilícito médico merecer maior reprimenda por violar interesses indispensáveis ao individuo-paciente ou à sociedade, será cabível a atuação do Direito Penal. Se, contudo, a infração ou erro médico possuir menor gravidade, reserva-se ao Direito Civil a reparação do dano lesivo.

Pelo princípio o direito penal só vai agir em último caso (ultima ratio). Para resolver as desavenças na comunidade, o legislador deve primeiro utilizar a lei civil, a lei administrativa, a lei trabalhista, a lei tributária, caso essas leis não resolvam, o legislador deverá usar a ultima ratio – a lei penal.

Quando, porém, no fato de que resulta o dano não se acham presentes os elementos caracterizadores da infração penal, o equilíbrio rompido se restabelece com a reparação civil, simplesmente.

Cabe registrar que, com espeque na questão jurídica hipotética, na responsabilidade criminal, o interesse lesado é o da sociedade, competindo, portanto, o Estado, mediante o Ministério Público promover a ação respectiva para apuração, processo e julgamento do erro médico ou médico. Isso porque incumbe ao Estado reprimir o crime e arcar sempre com o ônus da prova.

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Já na responsabilidade civil o interesse diretamente lesado é o privado, neste caso, a saúde, integridade física e psíquica da ofendida, e somente esta ou representante legal tem legitimidade para pleitear ou não judicialmente justa indenização por danos morais, materiais ou estéticos, estes decorrentes das cicatrizes inestéticas, causados por erro médico.

A responsabilidade criminal é exercitável pela sociedade e tendente à punição. De outro lado, a responsabilidade civil é pela vítima e tendente à reparação.

Distingue-se, ainda, a responsabilidade civil e a responsabilidade criminal. Esta é pessoal, intrasferível. Responde o médico, réu, com a privação de sua liberdade. Aquela é patrimonial: é o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações. 

Analisando, ainda, o exemplo de erro médico em procedimento estético sob o viés da responsabilização civil pelo erro médico, deve a vítima ou familiar demonstrar a conduta ou ato ilícito culposo do médico (CC, art. 186, e CDC, art. 14, § 4º); o nexo de causalidade; e o dano lesivo. Isso porque, a responsabilidade civil está calcada na culpa, tendo em vista a teoria da responsabilidade civil subjetiva, adotada pelo o art. 186. Veja-se:

“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”(g.n).

Art. 186.

Código de Ética Médica também consagrou a responsabilidade subjetiva profissional (art. 1º), ou seja, o médico somente pode ser responsabilizado se provar a culpa, não podendo esta ser presumida. Veja-se a norma:

Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.
Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida”.

Destarte, o erro médico pode refletir em responsabilidade criminal, civil e ética.

Tem ato médico que, embora não produza danos moral, material ou físico ao paciente, reflete apenas na responsabilidade criminal do médico, conforme se depreende de alguns crimes ou contravenção de responsabilidade criminal médica (Exemplo: Dever de comunicação de crime, inciso II, do art. 66, Lei de Contravenções Penais).

A vítima ou familiar pode ou não pleitear judicialmente a reparação dos prejuízos privados – dano à moral e abalo a honra intima subjetiva, invadindo sentimentos típicos de tristeza – do ato médico ilícito, demonstrando em juízo os pressupostos da responsabilidade civil.

O Estado, por intermédio do Ministério Público, no caso de crime de ação penal incondicionada, promoverá a competente ação penal para apuração, processo, julgamento e aplicação da sanção penal ao profissional médico condenado por crime praticado durante o exercício da profissão.

Há, portanto, o dever de responder ou a responsabilidade criminal do profissional médico, acusado da pratica de determinado crime no contexto de erro médico, somente se concorrerem os requisitos genéricos do fato punível (conduta, tipicidade, antijuridicidade, culpabilidade e punibilidade, assim como os específicos de cada tipo penal (Direito Penal, Cleber Masson, 2020, p.6)).

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Autor
Galvão & Silva Advocacia

Artigo escrito por advogados especialistas do escritório Galvão & Silva Advocacia. Inscrita no CNPJ 22.889.244/0001-00 e Registro OAB/DF 2609/15. Conheça nossos autores.

Revisor
Daniel Ângelo Luiz da Silva

Advogado sócio fundador do escritório Galvão & Silva Advocacia, formado pela Universidade Processus em Brasília inscrito na OAB/DF sob o número 54.608, professor, escritor e palestrante de diversos temas relacionado ao direito brasileiro.

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